Nelson Rodrigues!
Agora pode!
Renegado pela imprensa objetiva, concisa e asséptica, o ponto de exclamação esteve exilado dos textos jornalísticos durante décadas. Dizia-se, e ainda se diz, que era pobreza vocabular, intromissão subjetiva. Era brega e, definitivamente, proibida nos títulos e textos da imprensa respeitável. Mesmo se a Nasa descobrisse que amanhã um meteoro gigante colidiria com a Terra e nos transformaria em pó, ainda assim, a manchete teria de fazer cara de paisagem: É o fim. Todos mortos. A vida na Terra acaba hoje.
É o fim! Todos mortos! A vida na Terra acaba hoje! Viva!! Já!!
Viram a diferença?
A exclamação tremulou nas manchetes dos jornais no século 19 e foi vista até meados do século 20, quando os modernistas inventaram a edição concisa e objetiva. Antes, havia retumbado (e continua até hoje, impávida!) nos poemas românticos. O mais importante poema abolicionista termina em turbilhão de exclamações:
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
É Castro Alves convocando os brasileiros a acabar com o tráfico de escravos nos navios negreiros.
Talvez para romper com a tradição romântica, os modernos do século 20 expurgaram o ponto de exclamação dos textos jornalísticos.
Teve gente que não estava nem aí. Poucos, como Nelson Rodrigues. O anjo pornográfico está para o ponto de exclamação como a Terra está para o Sol. Sem a exorbitância solar, o planeta não existiria. Sem os exageros exclamativos e exclamatórios do dramaturgo/contista/cronista, Nelson não seria Nelson. No conto O ladrão, o marido mata o invasor de sua casa acreditando que era um gatuno. A mulher adúltera entra em êxtase diante do amante abatido com uma coronhada de revólver:
— Ainda vive. Acabe de matá-lo com isso. Vamos ser assassinos juntos! Anda! Dá-lhe! Dá-lhe! Na cara! Quero na cara!
Nelson Rodrigues!
O ponto de exclamação ainda não voltou aos jornalões, porque eles continuam jornalões. Mas a internet foi invadida pela haste com um ponto embaixo. Eles estão nos textos, nos comentários, nas conversas entre dois, nas paixões políticas, no ódio descomunal!
O ponto de exclamação está até na saudação mais frugal: “Oi!”, “Bom-dia!”, “Tudo bem!”. Graças à frieza atávica do texto virtual. Nunca se sabe como está o ânimo do interlocutor. Para quebrar o gelo de cara, tasca-se uma exclamação.
No começo, achei meio fingidinha essa exclamação assim, de pronto. Aos poucos, fui percebendo que o palitinho de pé com um ponto embaixo é o jeito mais cordial de se iniciar uma conversa, principalmente se for profissional ou com quem a gente não tem muita intimidade. É um quebrador de gelo, até no formato.
Encontrei na internet um ensaio do professor Gabriel Perissé, da USP, sobre o uso da exclamação em textos pedagógicos. Foi aí que perdi totalmente a vergonha de usar o ponto de exclamação. Pois se até João Cabral de Melo Neto, com seu rigor estético, e suas imagens feitas de cimento e ferro, se até ele admitiu a exclamação, por que não esta derretida cronista? “Todo mundo aceita que ao homem cabe pontuar a própria vida: que viva em ponto de exclamação (dizem: tem alma dionisíaca)”.
Se João Cabral me deu permissão, me sinto livre para continuar exclamando, mesmo sem o uso de um dos sinais mais plásticos da pontuação. Nesse quesito, só perde, no meu gosto, para a interrogação.
A propósito, conta-se que o diálogo mais curto já escrito foi:
— ?
— !
É um escritor perguntando ao editor se seus livros foram vendidos. E o editor lhe dando boas notícias.
Reconciliada com as exclamações, falta só eu descobrir que os adjetivos perderam a má-fama. Também os amo. Exclamativa, adjetiva e derramada. Viva!