Joffre e Daniela

Enquanto escrevia este texto, uma mocinha de nome Daniela, estudante de design gráfico, entra na banca, compra um sorvete, o “Estou na quadra”, livro da Fátima Bueno, e puxa assunto. Diz que morava em Taguatinga, mas que o sonho dela sempre foi vir para o Plano Piloto. Foi para o Cruzeiro e de lá para a Asa Sul. Vai a pé para o trabalho e ama esta cidade. “Por que as pessoas não entendem por que a gente gosta de Brasília?”, ela me pergunta.

Difícil de responder. É mais fácil e produtivo contar histórias de quem construiu esta cidade, como a que se segue:

Era noite e doía muito. O engenheiro Joffre Mozart Parada tinha uma tarefa inesperada, precisava abrir uma picada para chegar ao lugar onde, a partir de então, seria o território dos mortos.  Com a luz dos faróis do jipe, o goiano de Vianópolis delimitou o Campo da Esperança e traçou uma trilha que levava do aeroporto à ponta sul da Asa Sul.

Estava demarcado o lugar onde seria sepultado o corpo de Bernardo Sayão, amigo de Joffre, parceiros desde de antes de Juscelino tomar para si a decisão de construir Brasília. Ainda no começo dos anos 1950, Joffre já escalavrava  as terras goianas na condição de chefe do Serviço de Conservação e Melhoramento das Estradas do Estado de Goiás.

A estrada, rio seco que conduz a eterna busca por um outro lugar, a estrada movia os dois homens, Sayão e Joffre. Mais que a cidade, talvez. Mais que Brasília, quem sabe. Eram engenheiros-andarilhos, o primeiro mais inquieto, mais bandeirante; o segundo, mais interessado em decifrar a geologia dos novos lugares.

De Bernardo Sayão, muito se sabe. De Joffre, quase nada, embora o nada seja demasiado. Foi ele quem pôs no chão o projeto de Lucio Costa. Antes e mais que isso: ele esquadrinhou as fazendas do quadradinho e conseguiu delimitar cada uma delas, partindo de referências vagas e documentações dúbias.

Esse é o personagem das 548 páginas de “Uma luz na história”, livro de Nina Tubino lançado recentemente e disponível na Banca 308.  Foram 25 anos de pesquisa – desde a tarde de domingo em que a autora visitou o túmulo de Joffre, no Campo da Esperança que ele havia demarcado, e prometeu tirar o engenheiro do esquecimento.

Nina cumpre o prometido. Mostra que Joffre identificou as fazendas a serem desapropriadas para a construção da nova capital, demarcou o Plano Piloto, o Núcleo Bandeirante, marcou os furos para sondagens da barragem do Paranoá, identificou os locais onde havia jazidas de material de construção, locou  os primeiros acampamentos da Novacap. E ainda se aventurou em arqueologia: reuniu fósseis encontrados numa fazenda em Sítio d’Abadia, município goiano a 240 km de Brasília e os enviou ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), supondo serem de um megatério, a preguiça gigante que habitou as Américas há aproximados 20 mil anos.

O livro de Nina traz um mapa em página dupla, interiça, colorida. É o que ela considera o primeiro mapa do Distrito Federal já com as fazendas demarcadas.  De 1958, tem a assinatura de Joffre e de Janusz Gerulewicz.

 

 

Deixe um comentário